Era uma manhã indecisa
No porto do Recife,
e sentado eu via
as águas carregarem embora
toda a escória
da cidade.
Tudo o que foi útil num dia
e no outro deixou de ser.
Vi uma garrafa pet verde
andar sobre as águas,
como um jesus
de plástico
andando no mar vermelho.
Mas era só uma garrafa pet verde,
em sua marcha num mar esverdeado
com um andar solene,
como que indo pr'algum lugar
onde seu corpo
pudesse ser sepultado.
Em seguida
veio uma sacola antiga
do bompreço,
cuja lápide dizia:
"Orgulho de ser Nordestino".
Foi gestante na noite passada
d'alguma cana barata
ou d'um vinho suco-de-uva-tinto
de dois reais.
Deu a luz em plena madrugada
do Recife Antigo.
O sol já ia aumentando,
e vi um único sapato
que apressado
ia boiando
de repente
me peguei pensando
num Saci Pererê descalço
andando pelas ruas quentes do Recife.
Pois foi então que me joguei
para ser mais um desses objetos inúteis
que a correnteza toma pra si
a responsabilidade de arrumar um fim.
Mas um canoeiro,
cuja profissão é salvar os bêbados
que desejam morrer assim,
deu-me a mão
e me tirou dali.
André Espínola
Foto de Felipe Ferreira: http://www.flickr.com/photos/ff_fotografia
quarta-feira, 12 de março de 2008
Odisséia de Objetos Sem Vida
Postado por Noss'arte - Não a arte caduca. Sim a Noss'arte! às 19:16
Marcadores: André Espínola
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1 comentários:
"Vi uma garrafa pet verde
andar sobre as águas,
como um jesus
de plástico"
Me lembrou aquela música do Radiohead :)
Muito bom!
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